domingo, 2 de fevereiro de 2014

Morte em Veneza



1. O livro de Thomas Mann (06/06/1875 – 12/08/1955)

“Ele era mais bonito do que as palavras podiam exprimir, e Aschenbach sentiu dolorosamente, como tantas vezes antes, que a linguagem pode apenas louvar, mas não reproduzir, a beleza que toca os sentidos. (...) Tadzio sorriu... E recostando-se, com os braços caídos, transbordando de emoção, tremendo repetidamente, segredou a formulação tradicional do desejo - impossível, absurda, abjeta, idiota, mas sagrada, e mesmo neste caso honrada: ‘Amo-te!’”

São os primeiros anos do século 20... o escritor alemão Gustav Aschenbach, em uma grave crise de depressão após a morte da filha ainda criança, do esfriamento se sua relação com a esposa, além de se encontrar em uma crise de criação artística, decide tirar férias e parte para Veneza. Considerado um dos mais importantes escritores de seu país, inclusive laureado com título de nobreza, Aschenbach representa (e se considera) o modelo do artista rigoroso, racional, ascético, obcecado com a perfeição da forma e a beleza ideal. Ele acredita que em Veneza reencontrará seu caminho, tanto no aspecto artístico, quanto no pessoal.

Ao chegar à cidade italiana (a materialização do ideal de beleza, segundo Aschenbach) hospeda-se em um luxuoso hotel à beira-mar. Entre os hóspedes encontra o adolescente Tadzio, cuja beleza física irá superar, aos poucos, o ideal da arte de Aschenbach. Fascinado pela perfeição do jovem, o escritor irá sucumbir a uma paixão platônica que o levará, pouco a pouco, à ruína.

Combinando reminiscências da cultura greco-romana com a ideia de decadência que dominava a Europa às vésperas da Primeira Guerra, Thomas Mann condensa em Morte em Veneza algumas questões fundamentais: a tensão entre o ideal artístico e o mundo natural e real, a luta obcecada contra a passagem do tempo, a decadência do corpo e a doença como metáfora de um mundo em agonia.



2. O Filme de Luchino Visconti (02/11/1906 – 17/03/1976)

Na adaptação do romance para o cinema, Visconti faz o que eu considero a “sacada de gênio” (rs): Aschenbach, ao invés de escritor, é um músico e compositor erudito. Toda a trilha sonora é baseada na obra do grande (e põe grande nisso! rs) Gustav Mahler, o que, aliado à estética inconfundível de Visconti, tornará seu filme a grande obra de arte que é! E, pra não deixar por menos, o papel do protagonista é entregue simplesmente a Dirk Bogarde.

Muito se criticou o filme por uma certa “morosidade” na sequencia da trama, das imagens. Queriam o que? Tudo se desenrola a partir do ponto de vista de Aschenbach, um homem solitário, angustiado, em crise, sentindo em seu próprio corpo, tanto a decadência moral, quanto a física! Fora a grande metáfora que ronda tudo como um espectro: a Europa, à beira da Primeira Guerra, num processo de deterioração, simbolizado pela epidemia de cólera que começa a impregnar Veneza. Declinar, decair, apodrecer... a cidade e o compositor se esvaem! Tudo ao som maravilhoso e inconfundível de Mahler.

E tem a “cereja do bolo”: penso que a realização desse filme foi a maior concentração de homossexuais por m2 da história da arte! Tudo bem que, de todos (Visconti, Mann, Mahler, Bogarde), o único assumido era o próprio Visconti. Entretanto, “nunca na história desse...” (rsrsrs) houve um “casamento” nessas proporções.



3. A Música de Gustav Mahler (07/07/1860 – 18/05/1911)

Acredito que pra falar de Mahler será necessário um post à parte (rs). Apenas gostaria de comentar que, a partir do filme de Visconti, sua música começou a ser “popularizada” pela primeira vez. A tal ponto que muita gente chega a confundir a história de Aschenbach (um personagem de ficção) com a do próprio Mahler (os dois eram Gustav, né! rs). O que não deixa de ser totalmente inverdade, pois Mahler, em uma época da vida, sofreu as mesmas angustias e crises por que passou o personagem do filme/livro.


12 comentários:

  1. É o músico no filme(escritor no livro) que morre a beira da praia????

    Estranho... vi semelhanças com o mundo(situação) hoje..... to surtando?

    Beijos

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    1. Er... não entendi. Não dá pra saber se você tá surtando, pois não sei que associação você fez. (rs) E quem morre é Aschenbach/Bogarde, o escritor/compositor.

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  2. Morte em Veneza é uma obra prima da literatura! Sua narrativa sobre o envelhecimento e a impossibilidade de se evitar a Morte é brilhante ! É como se fosse um corpo que se debate nas dentro da água até sucumbir ao afogamento inevitável, ou a morte!
    Não é a toa que Mann coloca o escritor em Veneza para narrar seus últimos dias.
    Veneza é uma cidade belíssima, mas cercada de águas escuras e um tanto fétidas.
    A paixão por Tadzio é uma última tentativa para se agarrar a vida: o desejo, a paixão e contemplação do belo é o oposto a depressão e o oposto a morte.
    Daí minha revolta pelo "plágio" do final da novela.
    O beijo "histórico" está diretamente associado à morte.
    Bjs

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    1. Falando sobre o plágio: o Walcyr plagiou apenas a forma, num conteúdo totalmente diferente. Por isso mesmo não consegui associar a ideia de morte, que está impressa no filme, com o contexto da cena da novela. Talvez ele quisesse fazer uma oposição mesmo, pois a ideia que a cena passa é mais de um nascimento (ou renascimento?) da relação pai/filho. Se foi isso, até que ficou bacana, né?! De resto, o seu comment (rs) está perfeito!

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    2. O que o Lu falou é o que eu entendi da cena da novela - inclusive depois de ficar sabendo "de onde vinha". Então não entendi a revolta dos cultos. Achei que houve uma pequena falta de generosidade na interpretação da cena.

      Mas serei honesto: a julgar somente pelo trecho que a Margot postou, o filme não me atraiu nem um bocado. Me deu mais vontade de ler o livro, pelo exposto acima, que ver o filme.

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    3. na interpretação da ideia que o autor da novela quis passar/referenciar com a cena, melhor dizendo.

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    4. Eu, como culto que sou (kkkkkk) não fiquei revoltado. Pelo contrário, eu acho super bacana esse tipo de “citação”. No mínimo demonstra que o autor que cita, além de bem informado, sabe reinterpretar o original ao citá-lo!

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  3. Revirando o Blog do José Antônio me deparei com um Blog e uma postagem q me chamaram a atenção ... Refugiados - Morte em Veneza ...
    Qual é a minha surpresa qdo aqui chego ...
    Maravilhado por tudo o vi por tudo o q vi por aqui ...

    Beijo grande ...

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  4. Bom... como minha quota de surtos já está esgotada nessa semana eu não vou me alongar nas interpretações... só vou dizer que concordo contigo! :P

    Agora fico pensando na emoção que deve ser ouvir essa sinfonia ao vivo, em um lugar como a Sala São Paulo...

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    1. Fiote... pois eu já ouvi!!! Década de 70, em pleno Teatro Municipal, com a Orquestra Sinfônica de Israel, comandada, na época, pelo grande Zubin Mehta e... sentadinho ao meu lado (porque no colo pegaria muito mal, rs) o meu primeiro (e maior) amor! Até hoje, é só eu fechar os olhos, que dá prá sentir tudo de novo...

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    2. Okay! Temos um vencedor!!! Nossa... eu nem tinha pensando "nisso", mas com certeza é um grande momento...

      Mas sabe que o senhor me deu uma boa ideia, né?! Quem sabe... ;-)

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