sexta-feira, 27 de junho de 2014

A Beleza Que Desespera

Às vezes, em dias de luz perfeita e exata,
Em que as coisas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Por que sequer atribuo eu
Beleza às coisas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então por que digo eu das coisas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.

(Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos”)

Acho que foi Valéry quem disse: o belo é belo pelo que nos causa desespero. Talvez porque seja difícil tomarmos consciência de que a beleza encontra-se na simplicidade das coisas. Especialmente quando estamos na fase ascendente de nossas vidas e acreditamos que apenas as coisas grandiosas são possíveis de engendrar o belo. Depois, quando o inevitável vem (e é inexorável que venha!) e dá-se a “descoberta”, só resta o desespero por todo um tempo perdido a troco de nada.

A cena é do filme “Beleza Americana”. Bela cena...

5 comentários:

  1. Mas há beleza nas mais difíceis equações matemáticas e há beleza nas mais complexas sinfonias. Digo, há beleza onde quer que desejemos (ou consigamos) vê-la. Talvez eu ouse corrigir essa Valéria: o belo é belo pelo que nos traz calma.

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    1. E quem disse que o desespero não é expressão máxima de calmaria?! Quando não há o que esperar, o que resta?

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    2. Etimologicamente você está certo, já que calma tem raízes cáusticas, queimantes... infernais! :-) Ainda assim, eu sei que você entendeu o que eu quis dizer.

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  2. É uma das cenas mais lindas sobre a beleza na história do cinema!
    Eu como bom "platônico" gosto da palavra beleza que faz "contemplar", que faz lembrar aquilo que todo o ser humano esquece ao atravessar o Styx!!! Eu lembrei tudinho, tudinho!
    O que faz desesperar é, talvez, contemplar aquilo que existe de espontâneo na beleza e foi esquecido pelo ser humano.
    bjs
    bjs

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  3. Lendo o texto me veio na mente uma música que eu ouvi uma vez em um show do Almir Sater, não sei porque, desde a primeira vez que eu ouvi, essa música me emocionou... no fim ela fala:

    "...Da alma depende a calma
    E a calma é irmã do simples
    E o simples resolve tudo
    Mas tudo na vida às vezes
    Consiste em não se ter nada" (Irmão da Lua : https://www.youtube.com/watch?v=kQ45PhZF6Vo)

    Essa coisa de "perder tempo"... me dá 5 tipos de medo!
    Abração

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